“Onde você aprendeu a
sentir tanto medo?”
Serena só se deu conta de que estava acompanhada ao escutar a frase pronunciada pelo rapaz sentado à sua frente. Ele estampava uma tristeza profunda no olhar ainda fixo na mão de Serena, que recuava sobre a toalha impecavelmente limpa.
A pergunta se repetia no pensamento da moça. Por impulso, culpou primeiro a avó por tê-la criado com tantas restrições, por não tê-la deixado sair sozinha, falar com estranhos, entrar em um elevador só com homens ou andar na rua à noite. “É para sua segurança, minha filha”. Mas ela era jovem, não queria sentir-se segura, queria viver.
Insatisfeita com o comportamento da neta, a avó passou a contar histórias terríveis sobre mulheres que “se descuidaram”, convencendo Serena a evitar tais sofrimentos a qualquer custo. “Você não quer acabar como a sua mãe, não é?”.
Não queria, mas, mesmo assim, foi impossível fugir do triste destino. Em um dia de distração, notou tarde demais que um homem estava grudado em seu corpo no vagão lotado do trem. Invadida pela culpa, manteve-se calada durante todo o expediente, vestindo a roupa impregnada pelo pecado daquele homem mau. Aliviada por não terem reparado nas manchas em sua calça, voltou para casa com pressa, despiu-se e lavou a roupa e o corpo em segredo.
A avó nunca soube daquela nem de tantas outras violências sofridas pela moça – como no dia em que não foi promovida no trabalho porque o chefe queria mais do que uma mera secretária. Serena recusou os avanços do patrão em silêncio e também se calou quando o doutor a demitiu, dizendo: “mulher é bicho que sangra, com emoções complicadas demais”.
Traumas como aquele formaram pequenas rachaduras em seu coração inocente, que só pensava em ser livre e viver em paz. Quanto mais fugia do medo, mais ele a perseguia, mais o perigo espreitava, com seus trajes masculinos e mãos brutas, sedento pelo corpo e pela alma de Serena. Era refém da sensação de que aconteceria de novo, de que um dia a tocariam sem o seu consentimento, de que, como sua mãe, seria levada dessa vida “em nome do amor”.
Que amor é esse, que mata e sufoca? Serena concluiu que o amor também era culpado pelo medo que a paralisava e, como medida de proteção, decidiu vestir com orgulho uma carranca ameaçadora. Aposentou os sorrisos e parou de fazer jus ao seu nome, vivendo em constante estado de apreensão. O nervosismo passou a acompanhá-la como um carrapato a sugar suas energias.
— Onde você aprendeu a sentir tanto medo? – perguntou a si mesma, já sabendo a resposta. Com os olhos baixos e o coração apertado, Serena teve a certeza de que aquele encontro jamais se transformaria em algo além de um simples jantar. Pediu licença, levantou-se e partiu, sem olhar para o rosto tristonho do rapaz incrédulo.
Lembrou-se de uma citação de alguém cujo nome era uma incógnita: “A sombra do medo paira constante sobre a vida da mulher”. Quem quer que tenha escrito aquilo tinha razão.
Serena só se deu conta de que estava acompanhada ao escutar a frase pronunciada pelo rapaz sentado à sua frente. Ele estampava uma tristeza profunda no olhar ainda fixo na mão de Serena, que recuava sobre a toalha impecavelmente limpa.
A pergunta se repetia no pensamento da moça. Por impulso, culpou primeiro a avó por tê-la criado com tantas restrições, por não tê-la deixado sair sozinha, falar com estranhos, entrar em um elevador só com homens ou andar na rua à noite. “É para sua segurança, minha filha”. Mas ela era jovem, não queria sentir-se segura, queria viver.
Insatisfeita com o comportamento da neta, a avó passou a contar histórias terríveis sobre mulheres que “se descuidaram”, convencendo Serena a evitar tais sofrimentos a qualquer custo. “Você não quer acabar como a sua mãe, não é?”.
Não queria, mas, mesmo assim, foi impossível fugir do triste destino. Em um dia de distração, notou tarde demais que um homem estava grudado em seu corpo no vagão lotado do trem. Invadida pela culpa, manteve-se calada durante todo o expediente, vestindo a roupa impregnada pelo pecado daquele homem mau. Aliviada por não terem reparado nas manchas em sua calça, voltou para casa com pressa, despiu-se e lavou a roupa e o corpo em segredo.
A avó nunca soube daquela nem de tantas outras violências sofridas pela moça – como no dia em que não foi promovida no trabalho porque o chefe queria mais do que uma mera secretária. Serena recusou os avanços do patrão em silêncio e também se calou quando o doutor a demitiu, dizendo: “mulher é bicho que sangra, com emoções complicadas demais”.
Traumas como aquele formaram pequenas rachaduras em seu coração inocente, que só pensava em ser livre e viver em paz. Quanto mais fugia do medo, mais ele a perseguia, mais o perigo espreitava, com seus trajes masculinos e mãos brutas, sedento pelo corpo e pela alma de Serena. Era refém da sensação de que aconteceria de novo, de que um dia a tocariam sem o seu consentimento, de que, como sua mãe, seria levada dessa vida “em nome do amor”.
Que amor é esse, que mata e sufoca? Serena concluiu que o amor também era culpado pelo medo que a paralisava e, como medida de proteção, decidiu vestir com orgulho uma carranca ameaçadora. Aposentou os sorrisos e parou de fazer jus ao seu nome, vivendo em constante estado de apreensão. O nervosismo passou a acompanhá-la como um carrapato a sugar suas energias.
— Onde você aprendeu a sentir tanto medo? – perguntou a si mesma, já sabendo a resposta. Com os olhos baixos e o coração apertado, Serena teve a certeza de que aquele encontro jamais se transformaria em algo além de um simples jantar. Pediu licença, levantou-se e partiu, sem olhar para o rosto tristonho do rapaz incrédulo.
Lembrou-se de uma citação de alguém cujo nome era uma incógnita: “A sombra do medo paira constante sobre a vida da mulher”. Quem quer que tenha escrito aquilo tinha razão.
Por Mariana Zambon Braga